14 de jan. de 2011

Eles ferem em nome de Deus

Gente ferida, ministérios destruídos em troca de sexo, dinheiro e poder

 Extraído da Revista Eclésia

Em meados de 2006, a Igreja Assembléia de Deus Ministério Plenitude era uma das denominações de futuro mais promissor em São Paulo. Comandada pelo apóstolo José Leonardo Sardinha, na época com 35 anos, mantinha um programa diário de rádio na principal emissora evangélica da cidade, a Musical FM, e outro de televisão, também diário, na Rede Gospel. Seu templo, em um bairro de classe média na Zona Leste da capital, vivia lotado e, aos domingos, mais de 2 mil pessoas participavam dos cultos.

Muito por conta da manifestação do “poder do Espírito Santo”, com curas de doentes, revelações e milagres impressionantes. Para quem estava atrás de uma resposta ou de uma mudança em sua vida, principalmente na área das finanças, Sardinha era não somente um homem de Deus, mas um verdadeiro profeta. Pelo menos, até que sua verdadeira condição viesse a público. ECLÉSIA teve acesso aos autos do processo criminal respondido pelo apóstolo e foi deles que extraiu o chocante relato que conta a seguir. É uma história de fé, sexo e abuso de poder, mas não única. Nunca houve tantos escândalos na Igreja Cristã como agora e isso é o mais preocupante.

No começo daquele ano, Priscila – nome fictício – , de apenas 13 anos, uma das meninas do grupo de coreografia da Assembléia de Deus Ministério Plenitude declarou seus sentimentos ao filho de Sardinha, mas não foi correspondida. O apóstolo e sua esposa, Edmeire, sabiam disso. Tanto que Sardinha teria trocado mensagens pelo MSN com a garota, chamando-a de “norinha” e perguntando se ela ainda gostava do filho dele. Logo após isso, Sardinha procurou novamente a menina, dessa vez para lhe informar que tivera um sonho profético: se quisesse ficar com seu filho, ela teria que fazer um sacrifício como o de Abraão, na Bíblia. O sacrifício seria entregar-se para o próprio apóstolo por três vezes.

Priscila achou tudo muito estranho, mas como ele era o pastor, acreditou que pudesse ser mesmo de Deus. A princípio, tentou desconversar, até evitar o líder. Mas, em maio, depois de pensar bem, aceitou fazer o tal sacrifício. Disse à avó que precisava participar de um ensaio e encontrou-se com Sardinha em frente à igreja, por volta das 16 horas. Entrou no carro dele de cabeça baixa e sem falar uma palavra. Juntos se dirigiram a um motel. Em seu testemunho, a menina conta que questionou se realmente poderia entrar no lugar, afinal era menor. Despreocupado, Sardinha teria dito: “Deixa que o papi cuida disso”, e que iriam a “um parque de diversões”.

Até então a menina diz que era virgem. Tentaram manter relação vaginal, mas como ela estava tensa, Sardinha fez sexo anal. Em outra tentativa, conseguiram, mas ela reclamava de muitas dores. Ele lembrava o sacrifício e pedia que relaxasse. Ao final, Priscila ainda questionou: “O senhor tem certeza que o sonho e tudo que fizemos é de Deus?”. A resposta do apóstolo teria sido taxativa: “Eu jamais brincaria com o nome de Deus”.

Quando voltou para casa, sangrando e com muitas dores, ela escondeu de todos o que havia acontecido. Preferiu acatar o conselho de Sardinha: “Vigia porque vai sangrar mesmo”. Nos dias seguintes, continuou indo aos cultos, mas não se falavam. A não ser quando o apóstolo passava acompanhado de sua esposa, batia em suas costas e chamava-a de “norinha”. Um mês depois, enquanto uma música era tocada em seu programa de rádio, Sardinha ligou para a menina para lembrá-la que ainda faltavam duas partes do propósito.

Na segunda oportunidade, ele pegou-a na escola. Segundo Priscila, chamou-a de “pombinha” e juntos foram para o mesmo motel. Na semana seguinte, a história repetiu-se, mas ela conta que, dessa vez, Sardinha falou em ficar com ela. A menina não aceitou, queria o filho dele. Apesar de prometer que faria o casamento dos dois, isso nunca aconteceu. Nas semanas seguintes, o menino até saiu da igreja e começou a namorar outra moça.

Para contornar o problema, Sardinha pregava que a pessoa deve esperar o tempo de Deus quando faz um propósito. Em particular, dizia a menina que não comentasse o propósito com ninguém. Era algo pessoal, mas a vitória seria dela. Sempre muito atencioso e carinhoso, Sardinha chegou a levar Priscila para conhecer o estúdio da rádio em que fazia seus programas. Nesse clima de sedução, a menina se apaixonou por ele, que dizia que deixaria a esposa para ficar com ela. Em agosto começaram um relacionamento. Para entrar no motel, a menina usava documentos de sua mãe, de uma funcionária da igreja e até da esposa do próprio Sardinha. Tratando-a como uma filha e ajudando sua família, passou a ter livre acesso à casa da moça. Com isso, mantinham relações sexuais lá e viajaram juntos duas vezes “a serviço do ministério”.

Tudo aquilo durou alguns meses. Até o padrasto de Priscila chegar mais cedo do trabalho e ver que o pastor e a garota estavam sozinhos na casa do avô dela. Pressionada pela família e pelos ciúmes por causa das declarações de amor que Leonardo Sardinha fazia à esposa em seus programas, a menina admitiu para a mãe que gostava do pastor e que ele também dizia gostar dela. Desesperada, a mãe foi procurar Sardinha, que confirmou estar orando a Deus e pedindo confirmação para deixar a esposa e assumir o romance. Não contente com a situação, a mãe encontrou Edmeire na igreja e contou o caso a ela.

Depois disso, ainda de acordo com o depoimento de Priscila, Sardinha passou a evitá-la. Mesmo assim, ainda se encontraram mais uma vez para conversar. Ele disse a ela que estava confuso, que não sabia porque a mãe da menina havia feito aquilo e que sua esposa fora parar no hospital. Aproveitou para apagar as fotos do casal do celular da menina. Na mesma noite, quando a avó de Priscila entrou no templo, para participar do culto, foi expulsa. Vendo o que acontecera e percebendo que Sardinha não a assumiria, Priscila ficou deprimida e decidiu contar tudo, desde o princípio, inclusive que estava mantendo relações sexuais com o apóstolo. A partir daí, o escândalo sairia da igreja e iria para os tribunais, para ser julgado pela justiça do homem.

Choro e vingança – Ao longo de seus depoimento, Priscila chorou ao contar sobre as primeiras vezes no motel e ao falar da rejeição final do apóstolo. José Leonardo Sardinha, a princípio, negou os fatos. Disse que apenas conhecia a menina na igreja e que ouviu dizer que ela e o filho mantiveram um relacionamento, nada mais. Também garantiu que não sabia usar o computador ou que Priscila nutrisse sentimentos românticos por ele. Depois, admitiu ter mantido até fevereiro de 2007 um relacionamento extraconjugal com a mãe da menina. Depois de romperem, ela teria feito ameaças a ele, dizendo que “se não fosse dela, não seria de mais ninguém”. Contou para a esposa de Sardinha, mas vendo que Edmeire o perdoou, armou uma enorme confusão durante um culto. As acusações não passariam de uma vingança pessoal.

No processo, a juíza Jucimara Esther Bueno afirma que a versão da menina foi sempre firme, igual e bem sustentada pelas testemunhas. Já o líder do Ministério Plenitude teria caído diversas vezes em contradição. Não apenas pelas diferentes versões, mas porque terminou por confessar que sabia que a menina olhava para ele com outras intenções. Finalmente, em 2008, após a denúncia ser aceita pelo Ministério Público e o julgamento concluído, José Leonardo Sardinha foi condenado a 21 anos de prisão. Tempo cumprido em regime fechado desde o começo. Justificando sua decisão de não permitir que o réu apelasse da sentença em liberdade, a juíza qualificou os crimes como “gravíssimos e hediondos”.

Ouvido pela revista, um pastor que trabalhou entre 2004 e 2006 na Assembléia de Deus liderada por Sardinha, confirma diversos problemas que aconteciam na igreja. Ele prefere não se identificar, mas diz que conhecia boatos sobre o envolvimento do apóstolo com mulheres, abuso de poder e mau uso do dinheiro ofertado pelos membros. “A igreja tinha uma alta rotatividade e muita gente vinha para os cultos atraída pela propaganda dos programas. Não posso negar que presenciei muitos milagres lá. Mas a que custo? Saí porque ele começou a fazer intrigas, jogar uma pessoa contra a outra. Depois, ainda fui perseguido. Ele atacava seus desafetos pelo rádio e pela televisão. Falava mal, sem citar nomes”, conta.

Nas duas semanas em que esteve apurando a presente reportagem, ECLÉSIA tentou por diversas vezes falar com Edmeire Sardinha, agora, na ausência do marido, bispa e líder do Ministério Plenitude. Mas ela não retornou nenhuma das ligações da revista. Também foi procurado o atual advogado de Leonardo Sardinha, mas tampouco a publicação conseguiu contato com ele. Em compensação, o escândalo espalha-se pela internet. No site de relacionamentos Orkut, diversas comunidades repercutem o caso, citando até trechos do processo. Algumas dessas comunidades são declaradamente críticas dos evangélicos e das igrejas brasileiras.

Ignorar escândalos não é privilégio de uma igreja ou outra. Em tempos de relativismo moral, esse parece ser um tema secundário nas diversas denominações. Uma situação bem diferente da atenção dada ao assunto nas Escrituras. Somente nos evangelhos e cartas do Novo Testamento, o escândalo é apresentado de diversas maneiras: como armadilhas; tropeços; pedras colocadas no caminho para fazer tropeçar; circunstâncias, pessoas ou coisas que tiram o foco de Deus e levam a pessoa para o pecado ou a cometer erros. O próprio Jesus deu grande atenção ao problema, admitindo que escândalos são mesmo inevitáveis, mas advertindo aqueles que os causam. Ele chega mesmo a dizer que seria melhor pendurar enormes pedras no pescoço daqueles que provocam escândalos e lançá-las no fundo do mar a vê-los causar danos à Igreja e à fé das pessoas simples. Infelizmente, muitos líderes parecem ter arrancado as páginas que trazem essas passagens de suas Bíblias.

“Basta uma rápida pesquisa na internet ou uma passagem pelo noticiário para ficar claro que nunca tivemos tantos escândalos e abusos na Igreja como agora. E muita coisa ainda é abafada dentro das próprias igrejas”, constata o pastor Paulo Romeiro, pesquisador da Universidade Mackenzie, em São Paulo. Mas o que leva um renomado líder cristão a derrapar de forma tão acintosa? A resposta não é simples, mas como em fatores tão antigos quanto as civilizações humanas: dinheiro, sexo e poder. O trinômio que pode ser fontes de grandes bênçãos, nos últimos tempos, parece estar mais ligado a problemas e maldições tanto aqui quanto lá fora.

“Guerra santa: dinheiro, sexo e poder” e “Deus e o dinheiro: escândalo sexual, luxúria e ganância pelo poder explodem o mundo da pregação na TV”. Estas foram algumas das manchetes de jornais e revistas, no final da década de 1980, divulgando com muito alarde e ímpeto quase proselitista a série de deslizes e escândalos protagonizados pelos chamados televangelistas, os pastores que se tornaram conhecidos mundialmente desde os anos 70 por seus programas de televisão.

Em 1987, o pastor assembleiano Jim Bakker foi o primeiro a cair. Bakker era dono de um verdadeiro império financeiro construído basicamente em cima de doações de fiéis e avaliado na época em US$ 125 milhões. Comandava a PTL (Praise The Lord – Louvai ao Senhor, em inglês), um conglomerado de comunicação que incluía uma emissora de televisão e que transmitia seus programas, alguns dos quais com mais de 13 milhões de espectadores. Ainda possuía um enorme parque temático religioso, o Heritage USA (Herança dos Estados Unidos). Tanto os negócios quanto seu casamento com Tammy Bakker receberam duro golpe quando o também pastor e televangelista Jimmy Swaggart denunciou que o colega tinha mantido uma relação amorosa com uma secretária sete anos antes e que pagara US$ 265 mil para ela se calar.

Apesar de renunciar ao pastorado e se afastar da direção da PTL, era apenas o começo da derrocada de Bakker. Dois anos depois, ele foi condenado a 45 anos de prisão por fraudar seus fiéis em US$ 158 milhões, com promessas de férias indefinidas em seu parque, quando os alojamentos não estavam sequer construídos, e por desviar US$ 3,7 milhões da PTL para viver uma vida de luxo e riqueza, com salários de milhões de dólares.

Adultério e estádios lotados - Novo choque viria apenas um ano depois da queda de Bakker, quando foi revelado que o próprio Jimmy Swaggart estava em adultério. A imprensa não perdoou o pastor, famoso por seus ataques contra a moralidade do conteúdo exibido pelos meios de comunicação secular. Em fevereiro de 1988, Swaggart confessou o erro publicamente e pediu desculpas a sua igreja, mas nem isso evitou sua decadência. Em tempos áureos, seus programas faziam sucesso em 46 países, inclusive o Brasil, onde arrastou multidões em suas visitas, lotando os estádios do Maracanã e do Morumbi.

Ao mesmo tempo, as profecias também lá foram fonte de polêmicas. Primeiramente, envolvendo o norte-americano Oral Roberts, que declarou em janeiro de 1987, em seu programa de televisão, que teria de levantar US$ 8 milhões para treinar médicos como missionários para o Terceiro do Mundo. Do contrário, Deus tiraria sua vida. O valor foi conseguido, mas nenhum futuro missionário viu a cor do dinheiro ou teve seus estudos subsidiados. A grana foi usada para pagar dívidas da Escola de Medicina de Roberts. No final, a instituição fechou suas portas por falta de recursos e o televangelista permanece vivo até hoje, com 91 anos.

Em outubro de 1987, o sensacionalismo foi provocado pelo controverso Pat Robertson. Ele afirmou que ouviu de Deus que deveria candidatar-se à presidência dos Estados Unidos, pois já era tempo de um homem que ouve ao Senhor ocupar a Casa Branca. Porém, ele não conseguiu passar das primárias de seu partido. Em maio de 88, já estava de volta ao comando de sua emissora de televisão, a Christian Broadcasting Network, que com sua ausência quase naufragou em audiência e nas contribuições.

O escândalo mais recente envolveu profundas contradição e ironia. Em novembro de 2006, o pastor Ted Haggard, presidente da Associação Nacional de Evangélicos dos EUA, entidade que representa 33 milhões de crentes no país, e um dos 25 cristãos mais influentes da atualidade, segundo a revista Time, foi obrigado a renunciar a suas atividades, depois da divulgação de que mantinha relações sexuais com um garoto de programa e comprava drogas. Haggard fez fama como intransigente opositor do casamento homossexual no país.

“Todos esses incidentes não balançam somente os líderes e seus ministérios, mas a fé de milhões que têm esses pastores como referência”, analisa Paulo Romeiro. Entre outros problemas que facilitam os escândalos, principalmente nas igrejas neopentecostais brasileiras, Romeiro cita a estrutura de governo e a motivação de algumas denominações para crescerem: “Esse modelo, no qual um homem está no topo e não precisa prestar contas a ninguém, favorece os desmandos e abusos. Para muitos deles, crescimento é sinônimo de aumento da arrecadação. Junte-se a isso a teologia da prosperidade, que não incentiva o compromisso moral com Deus, e temos um caldeirão de potenciais problemas”.

Um dos episódios mais chocantes na recente trajetória evangélica no Brasil aconteceu em 1995, quando a Rede Globo levou ao ar uma reportagem que mostrava obreiros da Igreja Universal do Reino de Deus recolhendo e contando sacos de dinheiro em um evento no Maracanã. Depois, é exibido um vídeo caseiro no qual aparece o bispo Edir Macedo reunindo os pastores que participavam de um jogo recreativo de futebol para dar lições sobre como arrecadar dinheiro dos fiéis. Em um trecho, Macedo diz: “Tem que ser assim: Você vai ajudar na obra de Deus. Se não quiser ajudar, Deus arrumará outra pessoa para colocar em seu lugar. Ou dá ou desce”. Recentemente, a igreja recorreu à Justiça para tirar o vídeo do site YouTube, alegando que sua exibição é “difamatória, caluniosa e injuriosa”, porém não conseguiu. A brincadeira ficou séria e custou caro.

Uma das áreas recordistas em escândalos no Brasil dos últimos anos é a política. Em que pese muitos parlamentares cristãos serem exemplo de conduta no Congresso, outros mostraram todo seu despreparo e falta de ética ao se envolverem em negociações bastante questionáveis. Em 1987, logo após a abertura política e a instalação da Assembléia Constituinte, 32 evangélicos estavam no Congresso. Depois, outros dois suplentes se reuniriam a eles. Para boa parte dessa bancada evangélica, temas morais, diretamente ligadas ao Evangelho, como pornografia, aborto e casamento homossexual eram inegociáveis. Já outros, principalmente os que tratavam de reformas sociais, nem tanto. Aproveitando a discussão de assuntos como reeleição e tempo de mandato, os evangélicos aproveitaram para trocar seus votos com o governo Sarney por concessões de televisão e, principalmente, de rádio. “Eu sou mesmo fisiológico. Mas quem não é?”, questionou na época João de Deus Antunes, constituinte ligado à Assembléia de Deus, do Rio Grande do Sul.

Anões, mensaleiros e sanguessugas - Outras controvérsias viriam. Em 1993, estourou o escândalo dos anões do Orçamento, um esquema de corrupção que manipulava emendas orçamentárias e do qual participavam governadores, ministros, senadores e deputados. Eles recebiam gordas comissões para favorecer empreiteiras e desviavam recursos para entidades de assistência social fantasma. Vários dos parlamentares que estiveram na mira da CPI eram evangélicos, assim como diversas instituições e igrejas que receberam generosas contribuições financeiras e terrenos no Rio de Janeiro, no Paraná e em Brasília. Em 2004 e 2006, diversos deputados e senadores evangélicos foram novamente acusados de envolvimento em outros dois esquemas de corrupção: o mensalão, pelo qual receberiam favorecimentos para votar a favor de propostas do governo, e a máfia das ambulâncias ou dos sanguessugas, que superfaturava a compra de ambulâncias, fraudava licitações e maculava entidades sociais, envolvendo-as no esquema criminoso.

Apesar de serem tantos e tão variados os casos, poucas igrejas sofreram tanto com denúncias e acusações quanto a Renascer em Cristo. Atualmente, Estevam e Sonia Hernandes, líderes e fundadores do ministério, cumprem seu último mês de liberdade condicional nos Estados Unidos. Em 2007, após ser preso por entrar no país com uma quantia ilegal de dinheiro escondida até numa Bíblia, o casal foi condenado a cumprir penas alternadas em sua casa, na Flórida, e na prisão. Quando voltarem ao Brasil, ainda terão que enfrentar a fúria do poder público, que os responsabiliza por crimes de estelionato, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

Mesmo não sendo evangélico, o advogado criminalista Maurício Monteiro Ferraresi conhece como poucos os problemas vividos por muitas denominações cristãs, justamente por defendê-las nos tribunais. Ele foi, inclusive, advogado de José Leonardo Sardinha, durante uma parte do processo. Por questões profissionais e éticas, Ferraresi não fala sobre a situação do apóstolo hoje, mas observa que cada caso deve ser avaliado individualmente, separando, como diz a Bíblia, “o joio do trigo”. “Acredito que Sardinha tenha o direito de recorrer da sentença em liberdade, pois as provas apresentadas não eram conclusivas. A sentença condenatória fundamentou-se nos depoimentos pessoais e nas provas testemunhais”, analisa ele.

Apesar de ser exemplar, Sardinha não pode ser tratado como “bode expiatório”, muito menos sua punição como remédio para todos os males. Este é o alerta que Ferraresi faz. “A sociedade vem buscando respostas e se questiona sobre as atitudes de muitos pregadores e líderes religiosos de todas as crenças. Isso é positivo e necessário, pois vários deles levam vantagens e benefícios pessoais em cima da fidelidade dos seguidores e nada acontece. Investigá-los é fundamental, mas dá para pensar que tudo se resolverá se punirmos um ou outro.”

Poucos líderes cristãos respondem pelo prejuízo que provocaram à imagem da Palavra de Deus ou pelas pessoas que ferem e terminam por sair das igrejas. Quando a pessoa tem poder e fama, dificilmente admite o erro e, ainda que o confesse, não aceita qualquer punição. O caso do televangelista Jim Bakker é uma das poucas exceções nesse enredo. Antes de receber liberdade condicional, em 1994, ele escreveu o livro I Was Wrong (Eu estava errado – sem tradução para o português). Na obra, além de admitir as fraudes de que foi acusado, o pregador recapitula toda sua trajetória e ligação com a Teologia da Prosperidade e pede perdão por tê-la ensinado e por sua vida de exageros e luxos.

Já com Jimmy Swaggart a situação foi um pouco diferente. Ele até confessou o deslize para sua igreja, a Assembléia de Deus de Baton Rouge, em Louisiana. Mas não se submeteu à disciplina de um ano imposta por seus pares. Depois de três meses, já estava de volta aos púlpitos. Apesar de se justificar, dizendo que estava sendo humilhado e sofrendo muito, Swaggart acabou saindo e fundando sua própria denominação, o Centro de Adoração Familiar. “Na Igreja moderna não está mais havendo o equilíbrio entre carisma e caráter. Os escândalos surgem porque os líderes não conseguem controlar o poder que detêm sobre um grupo sem abusar das prerrogativas que a posição lhes confere. Todos estão sujeitos a serem tentados por suas concupiscências, como no caso de Sardinha, ou pelas oportunidades que aparecem. Falar em desvios ou doenças é fácil, pois tira a responsabilidade do indivíduo. Assim, manter o equilíbrio e a humildade é fundamental para não sucumbir”, aconselha o pastor e psicanalista Luiz Leite, de Belo Horizonte.

300 dias no cárcere - Por causa do excesso daquilo que muitos chamam de “estrelismo”, em terras brasileiras a tradição de não admitir os erros quase sempre acompanha os escândalos. Ainda que haja confissão, dificilmente ela implica em aceitação das punições. Depois da prisão de seu líder, a Assembléia de Deus Ministério Plenitude não foi mais a mesma. Antes badalada, hoje o número de presentes em um culto normal de meio de semana não passa de 50 pessoas. Entretanto, elas pouco sabem sobre o que de fato ocorreu com o apóstolo. Ou preferem ignorar. O site da denominação, que abre com uma foto da bispa Edmeire abraçada com o marido, não toca no assunto e continua publicando textos escritos por Sardinha.

A loja que fica no templo permanece comercializando suas pregações em CD e DVD. Até mesmo uma recente: 300 Dias no Cárcere, em que ele narra a obra que Deus tem feito através de sua vida com os presidiários da P2 do Tremembé, em Taubaté (SP) onde se encontra cumprindo pena. A Tremembé é uma penitenciária com regime diferenciado, para quem cumpre pena por crimes hediondos. Lá estariam acontecendo muitos milagres e conversões. A quem assiste aos cultos no templo do Ministério Plenitude, apenas é dito que tudo se trata de um grande mistério e que o apóstolo irá contá-lo no tempo oportuno. Mas a prisão teria sido injusta, motivada por falsas acusações, porém, permitida por Deus, para que o Evangelho fosse pregado. Assim como aconteceu na Bíblia, com Pedro, Paulo, Silas e João.

“Todos esses casos são lamentáveis. A pregação utilitarista, o pragmatismo empresarial e a confusão que tantos fazem entre cristianismo e trabalho da igreja trouxeram um afrouxamento ético nas igrejas”, explica o professor Lourenço Stelio Rega, diretor da Faculdade Teológica Batista de São Paulo e especialista em ética. Segundo ele, o crescimento das igrejas trouxe as crises como efeito colateral. Com a necessidade de mais ministros, houve uma redução das exigências para o ingresso no ministério. A independência e a falta de submissão são outros fatores que impedem um maior controle dos abusos cometidos por líderes, na opinião de Rega, que ajudou na redação do Código de Ética usado pelos batistas no país.

Apesar do quadro ser uma ameaça para a credibilidade da Igreja evangélica brasileira, ele adverte que as pessoas precisam ter cuidado na hora de julgar. “Não dá para generalizar. Assim como existem lobos em pele de ovelhas e líderes sem escrúpulos, também há uma grande parte ética e comprometida com os valores de Cristo. Estes não podem fechar os olhos para os abusos. Precisamos de uma nova reforma. Chega de ouvir palavras mágicas e de ver poucos frutos de caráter”, recomenda Rega.

Jesus já havia dito, como registra a Bíblia, que era inevitável que surgissem escândalos. Até como forma de purificar a Igreja e firmar a fé daqueles que são sinceros, para que só confiem em Deus. Entretanto, suas palavras de advertência contra os causadores de tantos males, que tanto ferem e afastam as ovelhas do aprisco, ressoam a cada dia com mais força e servem como um chamado para uma volta integral às Escrituras. Não apenas ao poder, mas à verdade, ao testemunho e à obediência. Em vez de boa lábia e muitas informações, o líder precisa de uma formação teológica mais profunda. Não somente nos bancos acadêmicos, mas também na oficina do Oleiro.

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